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Fala a verdade: precisava ter que trabalhar hoje?

Confete ainda no cabelo, você está sentado em frente ao computador, em plena tarde de quarta-feira de cinzas, criando coragem para começar a trabalhar. Enquanto a tal coragem não vem – porque, ao contrário de você, ela ainda deve estar aproveitando o finzinho do feriado –, você lê este texto e enrola mais um pouco para começar a fazer o que tem para fazer. Isso, se tiver o que fazer. Se for o caso, não deve ser nada que não pudesse esperar um pouco mais. Até amanhã, pelo menos. Não é a primeira vez que você trabalha depois do meio dia numa quarta-feira de cinzas, nem que você se lembra com carinho da mãe de quem achou isso uma boa ideia.

Ah, você não está com confete no cabelo? Não gosta de carnaval? Mesmo assim, garanto que gostaria de poder aproveitar esta tarde em outro lugar, na praia, na piscina ou mesmo no sofá, fazendo maratona da sua série do momento. Mas o pessoal do RH diz que já chega, já está bom, carnaval é só até terça e, no máximo, manhã de quarta-feira, para se recuperar da ressaca e voltar a trabalhar – a última parte, na verdade, eles não dizem, mas fica subentendido. O ano no Brasil precisa começar, e todo mundo sabe que, por aqui, isso só acontece quando o carnaval acaba. Muito dinheiro já deixou de ser ganho, muitos negócios deixaram de ser fechados. Tá bom. Como se todo esse dinheiro e todos esses negócios fossem aparecer justo agora, na tarde da quarta-feira de cinzas.

Procure entender: quando a pessoa do RH escreve aquele e-mail divertidíssimo informando que “após o almoço, expediente normal”, ela está tão indignada quanto você. Ela sabe que essas horas a mais fora do escritório só fariam bem para todo mundo. Trabalhando em Recursos Humanos, sabe da importância do descanso e da diversão para reabastecer os tais recursos. Aí, para ficar um pouco menos irritada, ela deve pensar: “Pelo menos, a gente não trabalha a quarta-feira inteira.”

Esse colega do RH, que está tão infeliz quanto você por trabalhar hoje, está apenas ecoando a voz dos chefes: da diretoria da empresa, do presidente, dos sócios. Todos esses, quando não estavam nas posições que ocupam atualmente, também ficavam bem irritados de ter que trabalhar na quarta-feira de cinzas. Hoje, acham o carnaval uma perda de tempo e de dinheiro, por isso, como não querem perder mais e têm certeza que um único dia vai fazer toda diferença para o faturamento anual, falam para o RH mandar aquele e-mail para você.

Tem quem ame frevo, tem quem adore samba. Tem quem seja doido pelos desfiles das escolas, tem quem prefira os blocos de rua. Carnaval é a maior festa popular brasileira, comemorada em todos os estados, de todas as formas, pelas mais diferentes pessoas. Goste-se dele ou não, é preciso entender o carnaval como uma parte importantíssima da cultura nacional. Querer que funcionários não aproveitem o carnaval – mesmo que isso signifique apenas tirar os dias para descansar – é, de certa forma, querer negar a essência deles, a de todos nós. Afinal, o carnaval é uma marca registrada brasileira composta por outras, como o talento, a criatividade, o improviso, a irreverência. Quer dizer, tudo em que se baseiam as empresas instaladas no nosso país.

Sua raiva de ter ido trabalhar hoje é compreensível. Como também é a atitude do chefe que falou para o RH passar o recado. Nas grandes empresas, não faltam pessoas que simplesmente reproduzem padrões de comportamento e pensamento, sem questionar superiores ou a si mesmas. Quando ousam, é com tanta moderação que nem dá para chamar disso. Ser o primeiro líder da firma a dar folga na quarta-feira de cinzas? Esquece. Na cultura corporativa, a coragem só é bem vista nos textos de autoajuda.

Eita. Só agora me toquei. Estamos aqui, conversando já faz um tempão, e eu ainda nem me apresentei. (Tá certo que, no carnaval, o pessoal tem bem mais intimidade que isso sem um saber o nome do outro, mas o carnaval, vamos aceitar, já acabou.) Foi mal. Eu sou o Beduíno Fantasma, prazer. Ah, detalhe: não sou uma pessoa. Como o meu nome dá a entender, sou um espírito. Ora baixo em um, ora em outro. Vou me explicar. O Beduíno Fantasma é, digamos, o porta-voz BedouinCC, de seus valores e crenças. Os textos assinados por ele (por mim) são escritos por diferentes pessoas, mas sempre de acordo com nossos princípios. Neste espaço, vou falar sobre relações de trabalho, sobre mercado, criatividade, ideias. Sobre o que nos interessa e também, se possível, sobre o que interessa a você.

Por isso, fique à vontade para puxar o papo e fazer sugestões. Este texto inicial é sobre a quarta-feira de cinzas porque eu queria dizer que também acho o fim da picada ter que trabalhar hoje. Eu também estaria puto se estivesse, mas ainda bem que este texto foi escrito há uma semana.

Obrigado,

Beduíno Fantasma
06/mar/2019 – Quarta-feira de Cinzas, quando tudo começou.
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(photo: Maxime Bhm)

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